Seguindo minha habitual paranoia em lidar com informações e corporações, gastei meu tempo buscando encontrar qualquer resquício de dados sobre minha pessoa em serviços de segurança governamentais ou particulares, para eliminar ou adulterar tais informações. Criar cortinas de fumaça, informações conflitantes, de modo a tornar qualquer informação que eu não possa acessar pouco confiável frente a outras informações disponíveis.
Meu eu verdadeiro eu busco esquecer, porque ele era de toda forma esquecível. Agora eu sou Err0r1, um hacker que provê serviços para quem fizer a maior oferta.
Vou usar o tempo também para manter contato com as poucos pessoas que fazem parte da minha vida. Eu vejo essas ligações como fraquezas, mas ainda não estou pronto para cortar esses vínculos. Minha forma de me proteger e proteger essas pessoas é nunca compartilhar informações pessoais. Quanto menos eles souberem, mais seguros eles estarão.
Começar também um plano de treino. Embora abomine tais atividades, meu emprego tem se tornado perigoso e algum preparo físico tem se mostrado necessário.
Embora o último contrato tenha sido uma verdadeira merda, nem tudo foi perdido.
Esse contrato lixo me trouxe mais próximo de conhecer de verdade o que essas corps fazem por aí. Agora tenho alguns indícios que a Omni está por trás de experimentos genéticos com humanos. Duvido muito que eles sejam autorizados ou éticos. Caso contrário porquê esconder os dados ou sumir com as cobaias depois. Infelizmente os dados estavam muito fragmentados para servirem para uma exposição. Mas eles são um começo.
Vou começar a montar um arquivo com todas as informações que conseguir obter da omni e de suas subsidiárias. Áreas de interesse, pesquisas, principais financiamentos, funcionários de destaque, investimentos em lobby. Descobrir onde eles chamam atenção para ver quais áreas eles tentam esconder. Eles são cuidados e inescrupulosos. Preciso tomar cuidado e tatear meu caminho. Eliminar um adolescente xereta não seria um problema dentro do monte de estrume que esse lugar deve ser.
Os últimos meses foram intensos. E esse calor está infernal. O que é bom, tenho saído muito de casa, o que me deixa inquieto. Muitas pessoas, muita necessidade de interação, muitas conversas, muitas pessoas falando coisas desnecessárias. A incrível necessidade que todo mundo tem de falar quando não há nada a ser dito. Pelo menos esse mês eu posso ficar aqui, só, com meu ar, meu computador, minhas coisas.
Os caminhos que tenho seguido com esses contratos tem me aproximado desses outros contratados. Necessário avaliar com maior cuidado as fraquezas e falhas deles. O risco de cair na rotina e na confiança leve que vem da sensação de conhecimento é alta. Conexões são pontos de vulnerabilidade. Eles podem parecer que se importam, mas são todos mercenários. Venderiam a própria mãe por um gift. Porra, eles estavam dispostos a morrer pela porra de um gift. Óbvio que me matariam para ganhar um gift extra.
Bom, até agora um morcego vampirístico saído da Europa oriental, uma múmia asteca e um gladiador alienígena. O mundo continua a ficar mais e mais estranho. Como não sou idiota nem nada, vou usar essa gift coin para me preparar.
Com base na tecnologia que a Weyland-Yutani deixou com a gente e nas informações que consegui coletar das criaturas, montei um aparelho que consegue identificar a assinatura de espectro dessas criaturas e me apontar onde elas estão. Preciso inserir informações específicas das criaturas e o aparelho só consegue sintonizar em uma criatura por vez, mas é um primeiro passo. Com base nas informações coletadas do vampiro e do gladiador alienígena eu consigo já localizar os dois se eles estiverem perto. Caso encontre outras criaturas e colete informações suficientes eu posso inserir novas informações.
Isso deu um trabalho do caralho, um mês inteiro dedicado a construir isso. Primeiro entender como funcionava esse material, depois reativá-lo, depois programar para uma nova função e desabilitar qualquer possibilidade da Weyland me rastrear. Mas valeu a pena. Pelo que pude ver, grandes chances que funcione dentro do esperado. Com o tempo posso fazer melhoramentos e inserir novas funções nesse aparelho. Vamos ver até onde consigo chegar.
Deu um senso de satisfação, pegar algo de uma corp FDP e desenvolver algo que vou poder usar contra eles. Algo como uma reparação por tudo que esses desgraçados já fizeram. Acho que finalmente estou fazendo progressos reais com o meu objetivo. Esses gifts são realmente úteis. Com mais um punhado deles posso me tornar uma ameaça real para as corps.
Com todas as bizarrices dos últimos tempos eu resolvi tirar um descanso maior. O próximo contrato eu vou passar e me dedicar a melhorar minhas novas acomodações. Aceitei a proposta do Moz, segundo o plano do Caliban e fui residir nos ermos fora de Megacity 1. Embora a companhia seja desnecessária, a proteção que eles oferecem me é útil. Então aqui estou eu, distante de tudo que conheci minha vida toda, aquela merda de cidade que eu amo e odeio profundamente, para me abrigar em um pedaço de nada, que fica ao norte de bosta nenhuma e ao sul de merda alguma. Mas é mais seguro que minha quitinete, principalmente com as coisas que temos encontrado, aliens e vampiros (sim, eu fico pensando se existe uma forma de dizer isso que faça eu parecer menos lunático e não, não tem).
Por isso esses dois meses eu dediquei a fazer meu pequeno quarto dentro da casa do Moz se parecer menos com o Moz. Mais neutro, um bom isolamento acústico, melhorar a conexão de internet, umas câmeras integradas, uma automatização para esse lugar parecer de fato uma casa do nosso tempo e não um portal para o passado. Assim posso ficar mais confortável nesse local e ainda manter algum nível de controle sobre esse grupo de desajustados.
A necessidade de uma interface física para acessar e dar bypass nos sistemas tem me incomodado. Acho limitante ter que procurar um ponto de acesso em unidades sem acesso à internet ou ter que carregar um conector de internet via satélite.
Meu último trabalho foi expandir meu chip quântico para permitir minha comunicação para além de interfaces biológicas humanas. Agora consigo me conectar a interfaces elétricas e mecânicas, podendo sobrepor suas barreiras e emitir comandos. Ainda não consigo acessar a interface para navegar livremente, extrair dados ou explorar o sistema, mas já me possibilita uma série grande de interações facilitadas com unidades variadas.
Com isso meu caminho está se tornando mais claro. A biologia, embora fascinante em suas potencialidades, é per si limitada na interação com nosso mundo tecnológico. Uma união da unidade biológica humana melhorado com aprimoramentos computacionais pode ser a saída para alcançar meus desígnios. Um corpo aparamente frágil, que passe desapercebido, mas com potencialidades de infiltração, obtenção de dados, sabotagem, desarticulação. Alcançar esse estágio pode me permitir ter ações mais diretas frente aos meus objetivos.
Coletei diversas amostras de tecido nessa viagem estranha. Tecidos de fungos estranhos, com crescimento amorfo, que causavam delírios e alucinações, alterações fisiológicas em quem entrava em contato, bem como fusão celular em criaturas de espécies diferentes.
Os estudos com esses tecidos me permitiram criar uma fórmula de crescimento celular acelerado. O crescimento acelerado pode ser direcionado por meio de regulação com meu biochip quântico, me possibilitando manter o crescimento celular sendo regulado e mantido de forma funcional, de modo a evitar prejuízos a minha fisiologia.
Tais características me permitem compensar dificuldades que vinha identificando nas minha capacidade de lidar com demandas físicas nos contratos. Assim posso investir em me capacitar a lidar com ameaças a minha integridade física e aumentar meu potencial de dano a elementos hostis.
Embora seja um desvio do meu plano original de enfrentamento, se mostrou como uma demanda crescente na atuação nesse campo, haja visto o crescente risco a integridade física encontrado nas missões recentes.
Chegou a um ponto crítico. Percebo que preciso de muitos melhoramentos para conseguir avançar. Mas meus recursos para fazê-los são limitados.
Preciso avaliar minhas opções e desenvolver algumas ferramenta que me permita ainda ser útil em situações de combate, podendo de alguma forma desequilibrar o campo de batalha. Tenho avaliado opções, mas não sei ainda se possuo todos os recursos para isso. Vou me dedicar esse tempo a elaborar melhor minhas opções.
Também preciso desenvolver um sistema de firewall para meu sistema de chip quântico. No último contrato o Roberto desferiu algum tipo de ataque mental com alto poder de derrubada. EU seria particularmente fragilizado por um ataque assim, visto que meu sistema todo depende dos meus recursos de processamento. A possibilidade de outros empreiteiros que possam também ter poderes que lhes garantam acesso ao meu sistema não pode ser ignorada, tornando mais urgente a necessidade desse mecanismo de proteção.
Encontrei a solução.
Ao avançar meus estudos sobre meu chip quântico de interação com interface neural eu pude modificar a frequência para induzir convulsões. A convulsoterapia tem sido utilizada pela psiquiatria há anos. Décadas. Por muito tempo foi considerada tortura, pelos impactos negativos, depois avançou e pode ser utilizada de forma controlada para gerar efeitos de reorientação e sincronização das sinapses. Mas se eu intensifico a convulsão em regiões fronto-mediais eu posso causar prejuízo na capacidade executiva e até morte neuronal.
Um ótimo mecanismo de ataque, discreto e com pouca necessidade de adaptações. Agora adquiro alguma ferramenta ofensiva, potencialmente letal e que se encaixa melhor à minha área de atuação.
Infelizmente só consegui calibrar o funcionamento para criaturas sencientes. É preciso ter uma mente consciente para ser afetada. Preciso ainda investir mais para conseguir calibrar para outras mentes não sencientes. Planos futuros.
A quantidade de pontas soltas que tem ficado fora da trama tem me preocupado. Nossos contratos tem deixado muitas coisas para trás.
E essas pontas podem ser utilizadas para nos atrapalhar. Um clone estranho do Zapata está por ai, fazendo coisas nada boas. Um cientista maluco criador de zumbis. Uma inteligência artificial psicopata, com potencial de aprendizado.
Isso para citar apenas algumas.
Todas essas coisas me afastam do meu objetivo principal. Demandam meu esforço e concentração, enquanto meu inimigo continua a sugar mais e mais, como um carrapato inchado, pronto para estourar, mais ainda sim sugando mais e mais sangue. Mas ainda fora do meu alcance.
Isso tudo é uma merda. Queria me importar menos, para simplesmente deixar tudo pegar fogo e fazer o que eu deveria estar fazendo. Mas ai pode não restar muito mundo para eu salvar no final. E o objetivo era salvar o mundo das CORPS... Não era? Racionalmente me parece que sim. Mas talvez seja algo mais. Algo mais primitivo. Mais visceral... talvez.
Estou passando muito tempo perdido em coisas secundárias.
Preciso voltar aos meus objetivos principais.
E quais são eles?
Todo mês que eu passo cuidando de coisas secundárias, como consequências de outro contrato, algum maluco nos perseguindo, criando algum equipamento útil aos contratos e inútil no meu objetivo principal, todo esse tempo e pouco avanço para enfrentar as Corps.
Frustrante, principalmente depois do avanço inicial em que eu vislumbrei possibilidades.
Mas algo me surgiu como possibilidade. Esse grupo... talvez eu possa galvanizar os interesses deles para o meu objetivo. A Omni tem feito tanta coisa que eu acho eles estão criando seus próprios interesses em agir contra ela. Não contra todas infelizmente. Mas odiar uma corp é um começo para entender que todas são um lixo gigantesco.
Agora como fazer isso? O Moz é desafiador. Ele é bom nesse jogo. Eu poderia vencê-lo se o duelo fosse intelectual, no entanto, a manipulação é o jogo dele. Me restaria então fazer isso pela sinceridade e carisma... Merda, talvez eu deva só me ater ao meu plano original mesmo.
Minhas investigações funcionam.
Temos encontrado muitos elementos do que as pessoas costumam chamar de magia. Tenho ficado intrigado pela natureza dessa arte. É mística mesmo em sua natureza, no sentido que é uma extrapolação do mundo natural, ou seria apenas uma tecnologia avançada o suficiente para ser incompreensível aos nossos olhos? A primeira opção me parece difícil de acreditar, a existência de algo que seja sobrenatural em essência. Mas a segunda se mostra uma perspectiva coerente e não difícil de imaginar. Um celular levado no tempo para 20 séculos atrás pareceria um artefato de grande poder mágico, enquanto hoje ele é banal.
Seguindo essa linha de raciocínio... quais as possibilidades? Quais as fontes de tantos artefatos e recursos que temos encontrado? Existem círculos dentro do nosso mundo que possuem acesso a recursos exclusivos que permitem a eles o domínio dessa tecnologia? Algum agente extraterreno infiltrado é a fonte dessa forma de tecnologia avançada?
As duas possibilidades são perigosas e merecem uma avaliação mais detalhada.
Essa foi uma das missões mais desafiadoras a nível de estratégia. Embora outras tenha chocado meu senso de realidade, essa me exigiu planejamento, adaptação, avaliação, estratégia. Conseguimos, o que mostra que estamos preparados para esse jogo. Mas ficou claro também que o nível de desafios que vamos enfrentar se encontra em outro patamar.
Isso demanda então que invista no meu arsenal. Acho que tenho investido muito em quantidade. Novos recursos para enfrentar novos desafios. Mas considero que preciso investir mais em qualidade, em qualificar os recursos que já possuo, para estar apto a desafios maiores e mais perigosos.
O conjunto de habilidades que possuo tem se mostrado útil e com potencial de alterar o tabuleiro, mas também tem ficado claro que outros jogadores tem capacidades de bater de frente comigo, ou até me superar nesse jogo, algo que antes sempre tinha sido algo inesperado, para não dizer impossível. Se não me preparar adequadamente posso vir a me encontrar encurralado. Não estou disposto a deixar isso ocorrer.
Meu investimento continua.
Ser um nerd com o preparo físico de um frango não é mais viável. O Moz tem me feito suar, me deixado com alguns hematomas. Na verdade estou todo cheio de roxos, dolorido. Mas tem dados resultados. Ainda preciso de mais treino, claro. Em um cenário real eu não duraria um minuto, principalmente com as calamidades que temos enfrentado. Alguns meses a mais e eu vou estar mais capacitado a lidar com as missões.
Tudo isso para me tornar uma versão aprimorada. Antes eu era um especialista. Sempre tinha sido o suficiente. Eu jogava no meu cenário. No meu cenário minha mente era minha arma, nada mais era necessário. Mas lá fora, para cumprir os contratos, eu estou fora do meu cenário. Lá fora o perigo, cada vez maior e mais grave, bate na minha porta. Então, o caminho lógico é estar preparado para quando esse perigo for bater na minha cara. E eu não posso ir a lona no primeiro golpe.