Nascida em Beijing, porém a China nunca me tratou bem. Órfã, sobrevivendo na rua com o pouco que tinha, aprendeu a se virar e abocanhar cada migalha que era deixada com ela. Observadora, logo entendeu o funcionamento das ruas. Corajosa e valente, conseguiu respeito.
Mas quando tinha 15 anos, em uma noite sem lua, tudo mudou. Maki testemunhou que as noites tinham muitas coisas a esconder. Criaturas sobrenaturais, caminhando entre os humanos, se alimentando deles, ocultando sua existência. Maki passou a buscar obsessivamente informações sobre as criaturas da noite, sobre vampiros, fantasmas, feiticeiros. A cada nova descoberta, mais ela queria saber.
Até o ponto onde ela tentou se aventurar no oculto. E suas tentativas deram errado. Jin Giang, seu único amigo, morreu em uma tentativa de enfrentar um vampiro. O caso foi noticiado e Maki foi considerada a responsável pela morte dele. Para fugir da cadeia teve que deixar a China e rumou para Megacity1. Uma chance de recomeço, uma chance de alcançar aquilo que ela almeja.
Maki veio sem nada. Apenas suas parcas posses. Roupa, seu diário onde registra suas descobertas. Um sabre chinês que foi presente de Jin. Nada mais.
Como chegou há pouco tempo em MG1 ainda não tem uma renda. Mas pretende vender seus serviços como investigadoras para poder se sustentar. Porém seu status ilegal dificulta qualquer tipo de trabalho formal. Mas isso não é problema. Maki sempre viveu das ruas, nas ruas, nas sombras da cidade. Aqui não vai ser diferente.
Inteligente, observadora, adaptável, ela sabe que vai dar um jeito de encontrar seu caminho. Ela tem bons pressentimentos com MG1, como se a cidade chamasse ela, como se aqui ela fosse encontrar o destino dela.
A noite é cheia de perigos, mas também cheia de poder. Maki almeja poder. Maki almeja nunca mais ter medo da noite, nunca mais se curvar para nenhum idiota que se acha especial, nunca mais comer sobras ou estar molhada e com frio. Maki almeja fazer a noite se curvar a ela.
Ela sabe que existe muito poder e ela está no rastro desse poder, farejando, perseguindo. Quando ela encontrar esse poder ela vai fazê-lo se dobrar a vontade dela. Ela só precisa encontrar a pessoa certa, na noite certa. Todas essas criaturas um dia foram como ela, apenas mais um, alguém sem importância. Uma oportunidade é tudo que ela precisa. E megacity1 não é uma cidade de todas as oportunidades? Alguns buscam dinheiro, outros buscam sexo, influência, juventude. Não Maki, ela quer algo mais, algo mais profundo, algo mais imaterial, algo mais sombrio.
A primeira noite em que encontrou uma criatura sobrenatural.
Estava andando em uma ruela em Beijing, indo encontrar uma cafetina que a tinha contratado para dar lição em um cliente que deixou uma puta com o olho roxo sem pagar por isso. Quando voltava sentiu um vento estranho, um frio na espinha, um pressentimento de algo primitivo e voraz. Se escondeu e observou. Alguém se aproximou, mas seus passos quase não faziam som. Uma outra pessoa teria passado batida. Maki viu a criatura se aproximar. Pálida, esguia, com olhos cruéis, com cheiro de morte. Ele, ou aquilo, foi em direção à cafetina, falou com uma voz de aço, mas a cafetina não se moveu, parecia paralisada. Seduzida. E então a criatura sorveu, se refastelou no sangue da pobre mulher, cada gota de sangue que ela tinha, até deixá-la seca, como um cadáver frio. Maki conseguiu seguir a criatura por alguns blocos, mas depois perdeu o rastro.
Ali tudo mudou. Ali o véu se ergue.
Jin era a única pessoa na vida de Maki. Seu amigo, irmão das ruas, confidente, apoiador.
Ele topou os planos de Maki, se interessou pelas descobertas dela, a ensinou a lutar, a se defender, a usar o Dao.
Ele topou ir atrás do vampiro, ir atrás dos fantasmas, dos feiticeiros, das maldições que vagavam pelas noites de Beijing. Ele era destemido, forte. Era confiável. E as falhas de Maki o levaram a ruína. E por isso Maki nunca vai se perdoar. E por isso Maki vai caçar essas criaturas, obter o poder delas e botar fogo em suas carcaças vazias.
Agora Maki está em uma nova cidade, uma outra parte do mundo. Um lugar diferente. Mas as pessoas pouco mudam. Maki sente falta de ter um companheiro, um amigo, alguém em quem confiar e em quem se apoiar. A noite é fria e perigosa. É um caminho muito árduo para trilhar sozinha.
Meus pais eram apenas mais um casal de chineses pobres, vivendo em uma cidade enorme que os engoliu. Eles morreram quando eu ainda era uma criança. Não lembro de muita coisa deles. Lembro do cheiro de temperos nas mãos da minha mãe. Do meu pai eu não lembro de nada. Ele trabalhava o tempo todo. Tentando sustentar 3 pessoas com a força de seus braços, puxando um riquixá velho para agradar turistas, como um burro de carga.
As vezes me questiono porque me mantiveram, uma menina, com tão poucos. Várias outras pessoas teriam se livrado de mim e tentado ter um menino. É o que faria mais sentido. Por isso gosto de acreditar que eles eram boas pessoas. Por isso gosto de acreditar que eles me amaram. Isso me dá alguma força, um lugar no qual me segurar na noite fria.
Tento honrar essa memória ao fazer minhas escolhas e buscar ser uma pessoa forte e honesta.
Jin foi o mais próximo que cheguei do amor. Meu irmão, amigo, confidente. Eu o conheci logo que fui morar nas ruas. E ele me abrigou em sua casa. Um canto da lavanderia do tio que ele cuidava, onde eu podia entrar para dormir depois que o tio ia embora. Assim não dormia na rua. Éramos inseparáveis. Ele me apoiava nos meus planos malucos. Na minha ambição. Nos meus interesses.
Ele me ensinou a lutar, para me proteger, manejar a espada e endurecer meu coração as dores dos meus inimigos. Antes eles do que eu.
No entanto, Jin era bondoso em seu coração. Sinto falta de Jin. Falta do seus conselhos e do seu apoio.
A insignificância.
Ser só mais uma na multidão, sem rosto, mais um número. Quero ser alguém. Ser notada, ser única.
Antes eu era apenas mais uma órfã em uma cidade de milhões de habitantes, em um país que te trata como mais um na engrenagem. Sugando cada gota de sangue e suor que você tem. Vim para o mundo da individualidade para tentar ganhar minha identidade. Mas aqui para ser alguém você tem que ser maior e melhor, não existe espaço para o medíocre.
Então eu tenho que ser a melhor investigadora. Tenho que ser uma especialista em ocultismo, tenho que saber mais sobre mais. Ai as pessoas vão me conhecer e vão confiar no que eu sei. E ai elas vão pagar caro pelos meus serviços, vão respeitar o que eu tenho a dizer.
Ai não vou ser ignorada, não serei só mais uma. Acho que o medo no final é o desolamento, a rua fria, estar na chuva sem proteção. Eu quero andar pelas ruas e não ter medo do que se esconde na esquina, do desprezo das pessoas, dos malditos policiais que nunca me protegeram de nada. Não depender da caridade e da bondade de ninguém. Meu medo é ser fraca.
A única coisa que tenho de precioso é a espada que ganhei do meu amigo. É o único bem que carrego. Eu nunca tive nada. Pode-se dizer que ainda não tenho.
Aprendi o desapego, pois cada pequena coisa que eu já tive me foi tirada de mim. Tenho medo de perder a espada, mas também sei que pode ocorrer. O que eu tenho eu carrego em mim. Minha intuição, meu talento para ver e ouvir ao meu redor, para entender as coisas e obter respostas.
Acho que por isso que tenho marcado meu poder na minha pele, para ele estar sempre comigo. Quem for tentar tirar de mim vai ter que arrancar minha pele toda.
O mundo lá fora é cheio de sanguessugas e eles vão arrancar tudo que você tiver. Seja esperta, durma com um olho aberto, mantenha o pouco que vc tem perto e bem vigiado, ou aceite não ter nada.
Morar em uma cidade gigantesca ocidental tem sido um grande desafio. Antes eu achava que pouca coisa seria diferente. Um grande bueiro seria igual a todo outro grande bueiro.
No final cada bueiro cheio de merda fede de um jeito diferente. E o meu grande bueiro chamado Shangai era conhecido, familiar. Eu sabia suas ruelas, sabia em quem confiar, sabia onde conseguir o que eu precisava. Aqui não. Aqui cada rua, cada rosto, cada cheiro é novo. Mesmo em Chinatown, que tudo me parece similar, ainda é diferente. Eu nunca estou completamente em casa, nunca me sinto segura.
E quando saio de Chinatown é ainda pior. O individualismo ocidental, que eles nem entendem direito como os afeta, tão diferente da nossa forma de pensar o mundo. Atravessa tudo, tudo que eles fazem, como eles respiram e como tomam decisões. Mas esse é meu mundo agora, não existe caminho de volta para casa, só posso seguir em frente.
Algo quente e forte para me acordar e me deixar pronta para outro dia de merda.
Algo que me lembre de casa.
No quarteirão do lado tem a sra Xian Pei, faz um Xiaolongbao e Jianbing, quase como os que eu comia pelas ruas de Shangai. Quente, apimentados, como se fosse a minha Waipo que tivesse feito, não que eu tenha tido uma, ou que alguma vez ela tenha cozinhado para mim, mas como eu gosta de imaginar que seria assim.
Então é perto o suficiente para aquecer meu estômago e me dar a energia necessária para seguir em frente. Esse bairro tem a energia certa para me lembrar de casa. Os dias começam com um caos barulhento e agitado. Diferente do resto da cidade. Esses ocidentais começam o dia com um café e uma lentidão morosa, como que uma angustia de mais um dia monótono e deprimente, cinza e frio. Chinatown começa com correria, comida quente e forte, chá fervendo e muita gritaria. Tudo que você precisa para entrar no clima.